sexta-feira, 20 de março de 2009

Vidas Secas em Cordel



Na planície avermelhada
Caminhava aquela gente
Sem ter outra opção
Seguiam apenas em frente
Passando dificuldades
Mas eles estavam rentes

Por não terem o que comer
Já andavam até banzeiros
Para afastar a morte
Esses pobres brasileiros
Comeram o papagaio
Que brincava nos poleiros

Contavam com a ajuda
Preciosa de Baleia
Uma cachorra esperta
Que pra garantir a ceia
Caçava alguns preás
(Quem fazia cara feia?)

Eles fugiam da seca
Que os assombrava então
Queriam de todo jeito
Caminhar mais um tantão
Parecia impossível
Sobreviver no sertão



Mas eles sobreviveram
E a chuva precipitou
Numa fazenda vazia
Fabiano se adentrou
Mas o problema foi quando
O fazendeiro voltou...

Ele se achava um bicho
Tendo ali sobrevivido
A mais uma estiagem
E não estar desvalido
Afinal com o fazendeiro
Já tinha se entendido...

Sempre queria ensinar
Aos filhos boa lição
Era preciso ser forte
Saber rezar oração
Viver como o pai e o avô
Respeitando a tradição

Tradição que foi quebrada
Quando se achou detido
Por um homem do governo
Amarelo e metido
Prendeu-o porque saiu
Sem antes ter despedido

E indo tirar pergunta
A esse humilde matuto
Pisou-lhe no pé o soldado
Fabiano todo bruto
Xingou a mãe do fardado
Mais por falta de estudo

Foi sufoco na cadeia
Tomou surra de facão
Foi tratado como um bicho
Passando humilhação
E pensava lá consigo
-Veja que esculhambação!

Tempos depois encontrou-se
Na catinga com o soldado
Que ali caminhava só
E estava desarmado
Resolveu não acabar
Com a vida do malvado...

Uma cama de verdade
Era tudo o que queria
A pobre Sinha Vitória
Que toda noite sofria
Fabiano prometeu
Que um dia compraria



E para poder comprar
A tão sonhada dormida
Queria até piorar
Aquela miserável vida
Economizando o pouco
Que gastavam com comida

E o menino mais novo
Admira Fabiano
Quer se parecer com ele
Monstruoso "cavalgano"
Um pouquinho diferente
Do seu querido mano

Que queria saber tudo
Gravava palavra nova
Não sabia o que era inferno
E quis obter a prova
Por conta disso ele quase
Levava uma grande sova

O sonho de Fabiano
Também era conhecer
Uma linguagem bonita
Pra que alguém pudesse ver
Que ele também era gente
E não deixara de ser...

Por mor de uma doença
Que a deixara bem feia
Tiveram que sacrificar
Sua cachorra baleia
Mandaram-na para o além
"Com a raiva que a rodeia"...

Tudo parecia bem
Até aquele momento
Mas sertão impiedoso
Sempre tinha seu intento
O verão se aproximava
Seria outro tormento

As aves que já estavam
Passando pela fazenda,
Fugindo da seca braba
Lutavam uma contenda
Por certo matavam o gado
-Bicho que não se emenda!

Fabiano não entendeu
Essa estranha verdade
Aves matarem o gado
Vejam que barbaridade!
Pensando um pouco ele viu
Uma possibilidade

Pois se bebiam a água
Que estava empoçada
Era como se no gado
Dessem a grande maçada
Os matariam de sede
-Era uma grande Jogada!

Do jeito que as coisas iam
Não teriam salvação
Sem água e sem comida
E sem outra solução
Começaram novamente
Uma peregrinação

O fim também é início
De mais uma nova vida
Caminhariam mil léguas
Em terra desconhecida
Viveriam lá no sul
Era a única saída.

...O que ficou para trás
Foram sonhos e poeira
Marcando eternamente
Essa família guerreira
Que se manteria viva
De toda e qualquer maneira... FIM

Um comentário:

  1. Conheci Tarcísio Mota
    Versando em comunidade
    Desde os primeiros versos
    Que faz com facilidade
    Vi surgir um cordelista
    Sendo já um grande artista
    Apesar da pouca idade.

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